Eae povinho de jah, blz?
Já que ta rolando altas propagandas na TV sobre a Rio+20 resolvi postar uma crítica ao evento que temos como um dos patrocinadores oficiais a Vale, empresa que já é alvo anunciado de ativistas da sociedade civil por causa do prêmio internacional Public Eye, concedido às piores companhias do mundo.
Esse texto que segue abaixo é do Leonardo Boff, autor com Mark Hathaway de O Tao da Libertação: a ecologia da transformação, Vozes 2012.
A ausência de uma nova narrativa na Rio+20
O vazio básico do documento da ONU para a Rio+20
reside numa completa ausência de uma nova narrativa ou de uma nova cosmologia
que poderia garantir a esperança de um "futuro que queremos”, lema do
grande encontro. Assim como está, nega qualquer futuro promissor.
Para seus formuladores, o futuro depende da
economia, pouco importa o adjetivo que se lhe agregue: sustentável ou verde.
Especialmente a economia verde opera o grande assalto ao último reduto da
natureza: transformar em mercadoria e colocar preço àquilo que é comum,
natural, vital e insubstituível para a vida como a água, solos, fertilidade,
florestas, genes etc. O que pertence à vida é sagrado e não pode ir para o
mercado dos negócios. Mas está indo, sob o imperativo categórico: apropria-te
de tudo, faça comércio com tudo , especialmente com a natureza e com seus bens
e serviços.
Eis aqui o supremo egocentrismo e a arrogância dos
seres humanos, chamado também de antropocentrismo. Estes veem a Terra como um
armazém de recursos só para eles, sem se dar conta de que não somos os únicos a
habitar a Terra nem somos seus proprietários; não nos sentimos parte da
natureza, mas fora e acima dela como seus "mestres e donos”. Esquecemos,
entretanto, que existe toda a comunidade de vida visível (5% da biosfera) e os
quintilhões de quintilhões de microrganismos invisíveis (95%) que garantem a
vitalidade e fecundidade da Terra. Todos estes pertencem ao condomínio Terra e
têm direito de viver e conviver conosco. Sem as relações de interdependência
com eles, sequer poderíamos existir. O documento desconsidera tudo isso.
Podemos então dizer: com ele não há salvação. Ele abre o caminho para o abismo.
Enquanto tivermos tempo, urge evitá-lo.
Tal vazio se deriva da velha narrativa ou
cosmologia. Por narrativa ou cosmologia entendemos a visão do mundo que subjaz
às ideias, às práticas, aos hábitos e aos sonhos de uma sociedade. Por ela se
procura explicar a origem, a evolução e o propósito do universo, da história e
o lugar do ser humano.
A nossa atual é a narrativa ou a cosmologia da
conquista do mundo em vista do progresso e do crescimento ilimitado.
Caracteriza-se por ser mecanicista, determinística, atomística e reducionista.
Por força desta narrativa, 20% da população mundial controla e consome 80% de
todos os recursos naturais; metade das grandes florestas foram destruídas, 65%
das terras agricultáveis perdidas, cerca de 27 a cem mil espécies de seres
vivos desaparecem por ano (Wilson) e mais de mil agentes químicos sintéticos, a
maioria tóxicos, são lançados na natureza. Construímos armas de destruição em
massa, capazes de eliminar toda vida humana. O efeito final é o desequilíbrio
do sistema-Terra que se expressa pelo aquecimento global. Com os gases já
acumulados, até 2035 fatalmente se chegará a 3-4 graus Celsius, o que tornará a vida, assim como a conhecemos, praticamente impossível.
A
atual crise econômico-financeira que mergulha nações inteiras na
miséria nos faz perder a percepção do risco e conspira contra qualquer
mudança necessária de rumo.
Em
contraposição, surge a narrativa ou a cosmologia do
cuidado e da responsabilidade universal, potencialmente salvadora. Ela
ganhou sua melhor expressão na Carta da Terra. Situa nossa realidade
dentro da cosmogênese, aquele imenso processo de evolução que se iniciou
há 13,7 bilhões de anos. O universo está continuamente se expandindo,
se auto-organizando e se autocriando. Nele tudo é relação em redes e
nada existe fora desta relação. Por isso, todos os seres são
interdependentes e colaboram entre si para garantirem o equilíbrio de
todos os fatores. Missão humana reside em cuidar e manter essa harmonia
sinfônica. Precisamos produzir, não para a acumulação e enriquecimento
privado, mas o suficiente e decente para todos, respeitando os limites e
ciclos da natureza.
Por
detrás de todos os seres atua a Energia de fundo que deu origem e
sustenta o universo, permitindo emergências novas. A mais espetacular
delas é a
Terra viva e os humanos como a porção consciente dela, com a missão de
cuidá-la e de responsabilizar-se por ela.
Esta
nova narrativa garante "o futuro que queremos”. Do contrário seremos
empurrados fatalmente ao caos coletivo com consequências funestas. Ela
se revela inspiradora. Ao invés de fazer negócios com a natureza, nos
colocamos no seio dela em profunda sintonia e sinergia, respeitando seus
limites e buscando o "bem viver", que é a harmonia entre todos e com a
mãe Terra. Característica desta nova cosmologia é o cuidado no lugar da
dominação, o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser e não sua
mera utilização humana, o respeito por toda a vida e dos direitos da
natureza e não sua exploração e a articulação da justiça ecológica com a
social.
Esta
narrativa está
mais de acordo com as reais necessidades humanas e com a lógica do
próprio universo. Se o documento Rio+20 a adotasse, como pano de fundo,
criar-se-ia a oportunidade de uma civilização planetária na qual o
cuidado, a cooperação, o amor, o respeito, a alegria e espiritualidade
ganhariam centralidade. Tal opção apontaria, não para o abismo, mas para
o "o futuro que queremos”: uma biocivilização da boa esperança.
Abração
Carol Amorim
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